domingo, 23 de janeiro de 2011

Darwin 200 anos depois

Por Herton Escobar (O Estado de SP, 08/02/2009)

"No futuro distante, vejo campos abertos para pesquisas muito mais importantes. A psicologia será baseada num novo fundamento, baseado na necessária aquisição de cada poder e capacidade mental via gradação [evolução]. Luz será lançada sobre a origem do homem e sua história." (Charles Darwin, em A Origem das Espécies, 1859)

Na semana em que Charles Darwin completaria 200 anos, a atual crise financeira-econômica mundial oferece um cenário ideal para estudar o legado do grande naturalista. Assim como o asteroide que caiu sobre a Terra há 65 milhões de anos alterou radicalmente o clima do planeta, levando os dinossauros à extinção e permitindo a ascensão dos mamíferos (até então pequenos animais noturnos que viviam à sombra dos grandes répteis), o colapso de Wall Street detonou uma sequência de eventos que alteram profundamente o ambiente econômico mundial.

Empresas, bancos e modelos de negócios que não conseguirem se adaptar às novas condições correm o risco de desaparecer da face da Terra, tal qual os dinossauros. Alguns gigantes do setor financeiro já foram extintos. Novos negócios sustentáveis, antes sufocados pelo ambiente especulativo e de consumo desenfreado, agora têm uma chance para florescer, tal qual os pequenos mamíferos do cretáceo.

Esse é o princípio da evolução por seleção natural, descoberto por Darwin em meados do século 19, após sua viagem de volta ao mundo a bordo do H.M.S. Beagle e publicado em 1859, no livro A Origem das Espécies - para muitos, a obra mais importante da história da ciência.

Darwin enxergou algo fundamental e revolucionário sobre o funcionamento da natureza: um mecanismo pelo qual espécies podem evoluir, diferenciar-se e originar novas espécies por meio de forças exclusivamente biológicas, sem necessidade de intervenção divina ou atos sobrenaturais. Um mecanismo tão poderoso que, como Darwin bem previu, abriu caminho para novos - e polêmicos - campos de estudo a respeito da existência humana.

Que o homem evoluiu de um ancestral comum com os primatas já é uma certeza científica universal, confirmada por um batalhão de informações genéticas produzidas desde a descoberta do DNA.

Mas será que a espécie humana ainda está evoluindo? E até que ponto a seleção natural poderia explicar não apenas a evolução de características físicas do ser humano, como a postura ereta e o cérebro grande, mas também de características comportamentais, como o altruísmo, o egoísmo, o racismo ou uma propensão à infidelidade conjugal? Essas são algumas das perguntas darwinianas com as quais cientistas e filósofos de um "futuro distante" se digladiam no presente.

Base científica

O primeiro passo de Darwin para chegar a sua teoria foi perceber que todos os indivíduos - inclusive os membros de uma mesma espécie - são anatomicamente e fisiologicamente diferentes entre si. Alguns nascem com pernas um pouco mais longas, com a visão um pouco mais aguçada, com antenas mais sensíveis ou com a capacidade de digerir alimentos melhor do que seus pais e irmãos.

Se alguma dessas características calha de ser vantajosa no ambiente em que aquele organismo vive - por exemplo, a capacidade de viver mais tempo sem água em um ecossistema árido ou uma coloração de asa que se camufla melhor com a cor da casca de uma árvore -, esse indivíduo terá melhores chances de sobreviver e, consequentemente, de deixar descendentes com características genéticas iguais às dele para compor as geração futuras (chamada seleção positiva). Já os indivíduos menos adaptados sofrem o efeito contrário: em média, vivem menos e deixam menos descendentes (seleção negativa).

Deixe a seleção natural agir por tempo suficiente e as variedades menos aptas tenderão a desaparecer da população, substituídas pelos descendentes das variedades mais bem adaptadas. É o que Darwin chamou de "luta pela sobrevivência", mas que ficou conhecido pelo apelativo (e enganoso) título de "a lei do mais forte". Novas espécies surgem quando uma variedade se separa da população original e segue um caminho evolutivo diferente, tal como as linhagens do homem e do chimpanzé divergiram de um ancestral comum.

Quando as condições ambientais mudam, as espécies precisam mudar também. Características que eram benéficas ou irrelevantes podem se tornar deletérias e vice-versa. É um processo contínuo, porém lento e gradual, que pode levar de algumas dezenas a muitos milhões de anos, e por isso é tão difícil de ser observado diretamente. Em um evento extremo, como a queda de um asteroide ou a explosão de uma crise financeira global, porém, a seleção atua de maneira óbvia e implacável. No lugar de um bando de répteis gigantes, pode-se acabar com um bando de mamíferos pequenos e peludos.

Universalidade

Por mais polêmica que ainda seja do ponto de vista religioso, a teoria da evolução por seleção natural é hoje um pilar central das ciências biológicas, tão indispensável para explicar o desenvolvimento de uma joaninha quanto a resistência de bactérias a antibióticos ou a resposta de uma floresta ao efeitos do aquecimento global. Como disse o geneticista ucraniano Theodosius Dobzhansky, em 1973: "Nada na biologia faz sentido, a não ser sob a luz da evolução."

"O que está implícito nessa frase é que a biologia só se consolidou como ciência após a teoria da evolução", diz o biólogo Diogo Meyer, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. "Antes havia apenas o estudo dos seres vivos; não havia uma teoria que integrasse tudo numa ciência comum. Hoje sabemos que os processos que moldam o genoma de uma bactéria e de um elefante são parte da mesma família."


A analogia sobre a crise financeira serve para mostrar que as teorias de Darwin - agrupadas no que se convencionou chamar de "darwinismo" - foram mais longe ainda: extrapolaram os limites da biologia e colonizaram outras áreas da ciência, influenciando várias esferas do pensamento humano.

Mais até do que uma analogia, a evolução por seleção natural é um elemento crucial da teoria econômica moderna, segundo o economista José Eli da Veiga. "A ideia é que qualquer sistema evolutivo obedece às leis do darwinismo. E a economia é certamente um sistema evolutivo", afirma Veiga, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP. "Um economista que não entende Darwin é um economista totalmente ultrapassado."

Visto por uma ótica puramente evolucionista, vale a pena perguntar: ao financiar a salvação de empresas que, de outra forma, iriam à falência, estariam os governos indo contra a seleção natural? Vale a pena salvar os dinossauros?

"Darwin fez uma teoria biológica, mas construiu uma linha de raciocínio tão abstrata que acabou transcendendo a biologia", diz o pesquisador Charbel El-Hani, coordenador do Grupo de Pesquisa em História, Filosofia e Ensino de Ciências Biológicas da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Sociobiologia

No que se aplica à evolução de plantas, besouros, peixes e sabiás, a teoria de Darwin já é ponto pacífico na ciência. É quando se tenta aplicar a seleção natural aos seres humanos que a coisa fica complicada. Darwin desenhou uma árvore da vida na qual o homem é um galho tal como outro qualquer - uma espécie dotada de inteligência superior, porém gerada pelos mesmos mecanismos de diferenciação e seleção que produziram as plantas, besouros, peixes e sabiás.

"Devo inferir por analogia que, provavelmente, todos os seres orgânicos que já viveram nesta Terra descenderam de uma única forma primordial, na qual a vida foi soprada pela primeira vez", escreveu Darwin, no capítulo final de A Origem das Espécies.

Ele poderia ter deixado o ser humano fora dessa história, mas não deixou. As semelhanças entre os homens e os primatas já eram óbvias demais para serem ignoradas, mesmo no século 19, antes da genômica. A mera sugestão de que o Homo sapiens era uma forma evoluída de macaco e não um ser especial criado por Deus foi suficiente para detonar uma batalha entre ciência e religião que persiste até os dias de hoje. Darwin até tentou ficar de fora dessa briga no início, deixando o tema de fora de A Origem das Espécies ("Luz será lançada sobre a origem do homem e sua história" é a única referência que ele faz à espécie humana no texto). Mais tarde, porém, publicaria um livro específico sobre o assunto, chamado A Origem do Homem e a Seleção Sexual, de 1871.

A versão mais moderna desse debate se dá no campo da "sociobiologia", uma ciência controversa que busca integrar conceitos biológicos ao estudo do comportamento humano. Umas de suas disciplinas, como previu Darwin, é a chamada "psicologia evolutiva".

O raciocínio básico da sociobiologia é o de que, se o comportamento dos animais resulta de processos evolutivos, e os seres humanos são animais que evoluíram como todos os outros, então seu comportamento social deve ser, também, influenciado por processos biológicos - e não apenas culturais.

O tema é extremamente polêmico entre biólogos, antropólogos e sociólogos. "Não há nada no ser humano que não seja explicado por leis biológicas", diz o biólogo Mário de Pinna, vice-diretor do Museu de Zoologia da USP. "A cultura tem origem biológica e, sendo assim, está sujeita também às leis da evolução." Para ele, o ser humano continua a ser moldado pela seleção natural, tanto culturalmente quanto biologicamente. "Evolução nada mais é do que uma mudança na frequência de genes ou suas combinações ao longo do tempo numa população", afirma Pinna. "Se você morre sem deixar filhos, geneticamente, é como se você nunca tivesse existido. Isso é seleção."

O geneticista Sérgio Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), discorda. "A evolução humana, do ponto de vista biológico, acabou", diz. "Temos uma cultura que vai diretamente contra a seleção natural. Temos a medicina: pessoas que deveriam morrer não morrem." Hoje, segundo Pena, a única seleção relevante é a cultural. "Evoluímos tanto que um dos produtos da nossa própria evolução é uma nova maneira de evoluir", diz. "Tomamos as rédeas do nosso próprio destino como espécie."

O dilema, segundo a antropóloga Gláucia Silva, da Universidade Federal Fluminense (UFF), surge de uma separação equivocada entre homem e natureza, enraizada nas culturas ocidentais. "Os seres humanos são radicalmente distintos de todos os outros animais, mas não deixam de ser animais", afirma ela. A sociobiologia, segundo Gláucia, tem o mérito de tentar reconstruir essa unidade - porém, sem oferecer respostas satisfatórias, reduzindo tudo a uma questão genética. "Os sociobiólogos não sabem nada de antropologia social. Eles têm respostas tão simples que dá vontade de rir."

Gláucia defende a tese de que a espécie humana continua a evoluir biologicamente - "Basta estar vivo para ser passivo de seleção", diz ela -, mas que o comportamento social humano não tem nenhuma relação com isso. Nem mesmo o comportamento sexual. "Os seres humanos não têm instinto sexual", diz a antropóloga. "A regulação da nossa atividade sexual é 100% cultural."

As discordâncias mostram que a obra de Darwin está longe de virar história e que muitas das questões levantadas por ele continuam tão importantes no século 21 quanto eram no século 19. "É realmente notável que um naturalista daquela época pudesse fazer perguntas que permanecem relevantes tanto tempo depois", diz o ecólogo Thomas Lewinsohn, da Universidade Estadual de Campinas.

Ele discorda de outros cientistas que prefeririam abandonar o título "teoria" e apresentar a evolução por seleção natural como um "fato" consumado. "Chamar uma teoria de fato é como transformá-la num fóssil", diz. "A palavra de Darwin não é uma palavra sagrada, que não pode ser questionada. É uma teoria viva, em constante desenvolvimento, que pode e deve ser sempre reexaminada."

Filho e neto de intelectuais, dedicou a vida à pesquisa

Diz a biologia que as características gerais de um indivíduo são determinadas por uma combinação cumulativa das interações entre seus genes e o ambiente ao qual esses genes são expostos ao longo da vida. A história de Charles Darwin parece encaixar-se perfeitamente nesse roteiro.

Filho e neto de intelectuais da alta classe britânica, ele provavelmente tinha os genes necessários correndo na família para se destacar nas atividades científicas. Seu avô paterno, Erasmus, por exemplo, foi um importante filósofo e botânico que já refletia intensamente sobre a evolução e a origem das espécies no fim do século 18.

Somado a essa base genética, Darwin tinha muitos fatores "ambientais" atuando a seu favor quando elaborou sua teoria. Assim como seu avô, vários cientistas antes dele já estavam pensando e escrevendo sobre a evolução dos seres e do planeta. Havia muitas ideias no ar. O momento era propício para uma revolução científica. "Foi um contexto social que produziu o darwinismo, não foi algo que saiu só da cabeça dele", diz o biólogo Nelio Bizzo, da Faculdade de Educação da USP. "Darwin viveu num momento histórico que deu a ele os elementos necessários para formular sua teoria", reforça o físico e historiador Ildeu de Castro Moreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Por pertencer a uma família rica, Darwin também pode se dar ao "luxo" de trabalhar por anos em sua teoria, sem se preocupar em pagar ou prestar contas a ninguém. Depois que voltou de sua odisseia no Beagle, ele nunca mais deixou a Inglaterra. Passou o resto da vida na sua casa de campo em Kent - a famosa Down House -, dedicando-se exclusivamente a suas pesquisas e sua família (teve dez filhos com sua prima, Emma).

Em momento algum, porém, isolou-se do mundo. Uma das características mais marcantes de Darwin era que ele escrevia cartas diariamente. Trocava correspondências com cientistas ao redor do mundo e estava sempre atualizado sobre descobertas recentes. "Charles Darwin foi um super networker", diz Bizzo. "Mesmo um cara na internet hoje tem dificuldade para manter a rede de relações que ele mantinha."

Outro hábito compulsivo de Darwin era não jogar nada fora. Guardava até mesmo os rascunhos de suas cartas e manuscritos - uma dádiva para os historiadores. Tinha uma biblioteca invejável. Lia muito, observava muito e tinha uma curiosidade insaciável pelo mundo natural. Além de A Origem das Espécies, publicou trabalhos marcantes sobre minhocas, flores e cracas (mostrando que elas eram crustáceos, não moluscos).

Para Thomas Lewinsohn, da Unicamp, uma das características mais marcantes de Darwin era sua capacidade de fazer perguntas relevantes, bem formuladas e passíveis de serem respondidas experimentalmente.

"Ele tinha uma capacidade fantástica de generalizar além dos fatos e tirar conclusões, até mesmo com base em evidências parcas", diz o biólogo e historiador Charbel El-Hani, da Universidade Federal da Bahia.

A viagem de cinco anos no Beagle, que o levou ao redor do mundo, foi crucial para que Darwin elaborasse sua teoria. Mas não foi durante a viagem que ele "descobriu" a seleção natural. As peças só se encaixaram em sua cabeça em 1838, após ler o Ensaio sobre o Princípio das Populações, no qual o economista britânico Thomas Malthus argumentava que o crescimento populacional é limitado pela disponibilidade de comida e outros fatores de pressão, como guerras e doenças.

"Finalmente tenho uma teoria com a qual trabalhar", registrou Darwin. Ele ainda trabalharia em segredo na teoria por 20 anos, até publicá-la em 1859. Era cuidadoso ao extremo. Pensou nas críticas que seriam feitas e queria ter as respostas prontas antes de apresentá-la. "Para mim ele foi um gênio", diz o biólogo Mário de Pinna, do Museu de Zoologia da USP.



( http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=61568 ; Acesso em 23 jan. 2011 )


quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Manifesto da Ciência Tropical


Um novo paradigma para o uso democrático da ciência como agente efetivo de transformação social e econômica no Brasil

por Miguel Nicolelis

26 de novembro de 2010

É hora de a ciência brasileira assumir definitivamente um compromisso mais central perante toda a sociedade e oferecer o seu poder criativo e capacidade de inovação para erradicar a miséria, revolucionar a educação e construir uma sociedade justa e verdadeiramente inclusiva.

No intuito de contribuir para o início desse processo de libertação da energia potencial de criação e inovação acumulada há séculos no capital humano do genoma brasileiro, estamos propondo 15 metas centrais para a capacitação do Programa Brasileiro de Ciência Tropical. Essas 15 metas visam a desencadear a massificação e a democratização dos meios e mecanismos de geração, disseminação, consumo e comercialização de conhecimento de ponta por todo o Brasil.


Metas:

1) Massificação da educação científica infanto-juvenil por todo o território nacional.

O objetivo é proporcionar que, nos próximos 4 anos, 1 milhão de crianças tenham acesso a um programa de educação científica pública, protagonista e cidadã de alto nível. Esse programa utilizará o método científico como ferramenta pedagógica essencial, combinando a filosofia de vida de dois grandes brasileiros: Paulo Freire e Alberto Santos Dumont.


2) Criação de centros nacionais de formação de professores de Ciência.

A implementação do Programa Educação para Toda Vida geraria uma demanda inédita para professores especializados no ensino de ciência e tecnologia. Para supri-la, o governo federal poderia estabelecer o Programa Nacional de Educação Científica Alberto Santos Dumont, que seria o responsável pela gestão dos centros nacionais de formação de professores de ciências, espalhados por todo território nacional. As universidades federais, os Institutos Federais de Tecnologia (antigos CEFETs) e uma futura cadeia de Institutos Brasileiros de Tecnologia poderiam estabelecer programas de formação de professores de ciências e tecnologia em todo o país.


3) Criação da carreira de pesquisador científico em tempo integral nas universidades federais.

Seria em paralelo à tradicional carreira de docente. Ela nos permitiria recrutar uma nova geração de cientistas que se dedicaria exclusivamente à pesquisa científica, com carga horária de aulas correspondente a 10% do seu esforço total. Sem essa mudança não há como esperar que pesquisadores das universidades federais possam dar o salto científico qualitativo necessário para o desenvolvimento da ciência de ponta do país.


4) Criação de 16 Institutos Brasileiros de Tecnologia espalhados pelo país.

Eles serviriam para suprir a demanda de engenheiros, tecnólogos e cientistas de alto nível e promover a inclusão social por meio do desenvolvimento da indústria brasileira do conhecimento. Atualmente o Brasil apresenta um déficit imenso desses profissionais.


5) Criação de 16 Cidades da Ciência.

Localizadas nas regiões com baixo índice de desenvolvimento humano, como o Vale do Ribeira, Jequitinhonha, interior do Nordeste, Amazônia, as Cidades da Ciência ficariam no entorno dos novos IBTs. As Cidades da Ciência seriam, na prática, o componente final da nova cadeia de produção do conhecimento de ponta no Brasil. Acopladas aos novos IBTs e à rede de universidades federais, criariam o ambiente necessário para a transformação do conhecimento de ponta, gerados por cientistas brasileiros, em tecnologias e produtos de alto valor agregado que dariam sustentação à indústria brasileira do conhecimento.


6) Criação de um arco contínuo de Unidades de Conservação e Pesquisa da Biosfera da Amazônia.

Esse verdadeiro cinturão de defesa, formado por um arco contínuo de Unidades de Conservação e Pesquisa da Biosfera da Amazônia, seriam dispostas em paralelo ao chamado “Arco de Fogo”, formado em decorrência do agronegócio predatório e da indústria madeireira ilegal, responsáveis pelo desmatamento da região. Essa iniciativa visa fincar uma linha de defesa permanente contra o avanço do desmatamento ilegal, modificando a estratégia das unidades de conservação a fim de colocá-las a serviço de um Programa Nacional de Mapeamento dos Biomas Brasileiros.


7) Criação de oito “Cidades Marítimas” ao longo da costa brasileira.

A descoberta do pré-sal demonstra claramente que uma das maiores fontes potenciais de riqueza futura da sociedade brasileira reside no vasto e diverso bioma marítimo da nossa costa. Apesar disso, os esforços nacionais para estudo científico desse vasto ambiente são muito incipientes. Aqui também o Brasil pode inovar de forma revolucionária. Em parceria com a Petrobras, o governo federal poderia estabelecer, no limite das 350 milhas marinhas, oito plataformas voltadas para a pesquisa oceanográfica e climática, visando o mapeamento das riquezas no mar tropical brasileiro.


8) Retomada e Expansão do Programa Espacial Brasileiro.

Embora subestimado pela sociedade e a mídia brasileiras, o fortalecimento do programa espacial brasileiro oferece outro exemplo emblemático de como o futuro do desenvolvimento científico no Brasil é questão de soberania nacional.
Dos países pertencentes ao BRIC, o Brasil é o que possui o mais tímido e subdesenvolvido programa espacial. Apesar da sua situação geográfica altamente favorável, a Base de Alcântara não tem correspondido às altas expectativas geradas com a sua construção.

9) Criação de um Programa Nacional de Iniciação Científica.

Com a criação do programa Educação para Toda Vida, seria necessário implementar novas ferramentas para que os adolescentes egressos desses programas pudessem dar vazão a seus anseios de criação, invenção e inovação através da continuidade do processo de educação científica, mesmo antes do ingresso na universidade e depois dele.
Na realidade, é extremamente factível que grande número desses jovens possa começar a contribuir efetivamente para o processo de geração de conhecimento de ponta antes do ingresso na universidade.


10) Investimento de 4-5% do PIB em ações de ciência e tecnologia na próxima década.

Tendo proposto novas ações, é fundamental que essas sejam devidamente financiadas. Para tanto e, ainda, para assegurar a ascensão da ciência brasileira aos patamares de excelência dos países líderes mundiais, o governo brasileiro teria de tomar a decisão estratégica de destinar, nas próximas décadas, algo em torno de 4-5% do PIB nacional para a ciência e tecnologia.


11) Reorganização das agências federais de fomento à pesquisa.

Reformulação de normas de procedimento e processo para agilizar a distribuição eficiente de recursos ao pesquisador e empreendedor científico, bem como criar um novo modelo de gestão e prestação de contas. A ciência e o cientista brasileiro não podem mais ser regidos pelas mesmas normas de 30-40 anos atrás, utilizadas na prestação de contas de recursos públicos para construção de rodovias e hidrelétricas.


12) Criação de “joint ventures” para produção de insumos e materiais de consumo para prática científica dentro do Brasil.

É fundamental investir numa redução verdadeira dos trâmites burocráticos “medievais” que ainda existem para aquisição de materiais de consumo e equipamentos de pesquisa importados. Para tanto, é importante definir políticas de incentivo ao estabelecimento de empresas nacionais dispostas a suprir o mercado nacional com insumos e equipamentos científicos.

13) Criação do Banco do Cérebro.

Instituição financeira destinada a implementar vários mecanismos financeiros para fomento do empreendedorismo científico nacional. Essas ferramentas financeiras incluiriam desde programa de microcrédito científico até formas de financiamento de novas empresas nacionais voltadas para produtos de alto valor agregado, fundamentais ao desenvolvimento da ciência brasileira e da economia do conhecimento.

14) Ampliação e incentivo a Bolsas de Doutorado e Pós-Doutorado dentro e fora do Brasil.

Novamente, a proposta da Ciência Tropical é, antes de tudo, uma nova proposta para o desenvolvimento de excelência na prática da pesquisa e educação científica. Dessa forma, ela tem de incentivar todas as formas que permitam aos melhores e mais promissores cientistas brasileiros complementarem sua formação fora do território nacional. Como bem disse a presidente-eleita Dilma Rousseff durante a campanha: “O Brasil precisa de seus cientistas porque eles iluminam o nosso país”.

15) Recrutamento de pesquisadores e professores estrangeiros dispostos a se radicar no Brasil.

Com a crise financeira, verdadeiros exércitos de cientistas americanos e europeus estarão procurando novas posições nos próximos anos. Cabe ao Brasil tirar vantagem dessa situação e passar a ser um importador de cérebros e não um exportador de talentos. Historicamente, a academia brasileira tem inúmeros exemplos excepcionais de pesquisadores estrangeiros de alto nível que alavancaram grandes avanços científicos no Brasil. O Programa Brasileiro de Ciência Tropical só teria a ganhar com uma política mais abrangente, audaciosa e sistêmica de importação de talentos.

( http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/manifesto_da_ciencia_tropical.html )


Miguel Nicolelis é um médico e neurocientista brasileiro, professor de neurobiologia da Universidade Duke (EUA) e coordenador do Projeto do Instituto Internacional de Neurociência de Natal (IINN). No início da década passada foi considerado um dos vinte maiores cientistas do mundo pela revista Scientific American. Foi também o primeiro brasileiro a ter um artigo publicado na capa da revista Science.