segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Como as grandes potências sugam os países subdesenvolvidos

Veja abaixo o depoimento de John Perkins sobre os artifícios usados pelas grandes potências, em conluio com as instituições financeiras internacionais (FMI, Banco Mundial etc), para se apropriar dos recursos naturais dos países subdesenvolvidos.



sábado, 12 de novembro de 2011

"The american dream" - A história do sistema financeiro internacional

Dando prosseguimento à série de posts sobre a atual formatação do sistema financeiro mundial e seus efeitos perniciosos no mundo em que vivemos, segue o ótimo vídeo "The american dream", que conta a história do referido sistema desde as suas origens remotas.



A mega maracutaia do "risco sistêmico" no sistema financeiro


Por Augusto Mascarenhas


Os banqueiros lucram bilhões cobrando juros todos os anos, e formam um patrimônio pessoal gigantesco. 

Aí acontece de alguns banqueiros (que querem mais dinheiro, embora já tenham acumulado bilhões) darem alguns golpes financeiros nos correntistas (p. ex, gestão fraudulenta, com desvio de dinheiro para o próprio bolso ou para o caixa 2 de campanhas políticas; ou má gestão, emprestando dinheiro de modo arriscado a terceiros com baixa solvabilidade) que geram uma situação financeira ruim para o banco (mas não para o banqueiro).

Então, o que os governantes (que foram eleitos com o dinheiro doado pelos bancos para o financiamento de campanha, principalmente via caixa 2) fazem?

Pegam o dinheiro (tributos) do contribuinte trabalhador (que já não dispõe de bons serviços públicos) e dizem que têm que usá-lo para "salvar os bancos " e "evitar o risco de o sistema bancário ser contaminado com uma crise de confiança e quebrar" (o chamado "risco sistêmico").

O risco sistêmico ocorre porque diante da notícia de que um banco está para quebrar, correntistas de outros bancos podem ser tentados a retirar o seu dinheiro destes últimos. E se todos correm para tirar o seu dinheiro dos bancos, o sistema quebra, pois como os bancos emprestam o dinheiro dos correntistas a terceiros, não dispõem de numerário suficiente para devolver o dinheiro de todos os correntistas caso estes resolvam sacá-lo de volta no mesmo momento. 

Então, para evitar o tal do "risco sistêmico" (que geralmente é mais fictício do que real, já que não há critérios seguros para avaliar a efetiva existência do risco) os governos (leia-se: os políticos financiados pelos banqueiros) pegam o dinheiro público e compram a parte "podre" (endividada com títulos que não serão quitados) do banco, e devolvem a parte "sã" (lucrativa) ao "mercado" (ou seja, aos próprios banqueiros, que sempre ganham). Desta forma, os financistas conseguem sempre privatizar os lucros e socializar os prejuízos.

Mas como os banqueiros conseguem isto? A questão é que a posse (não necessariamente a propriedade) de altas somas de dinheiro confere-lhes um grande poder de "influenciar" (rectius: corromper ou intimidar) políticos, altos funcionários do governo e magistrados das cortes superiores, e assim os financistas obtêm quase sempre decisões (no âmbito dos três Poderes) favoráveis aos seus interesses.

Lembrando que quem arca com o altíssimo custo da operação de "salvamento" é o contribuinte de tributos (ou seja, nós). Todos os cidadãos pagam tributos, direta ou indiretamente. Em cada produto ou serviço que nós compramos está embutido ICMS, ISS etc. E quando dinheiro de tributos é direcionado para "salvar" bancos, o governo deixa de investir em educação, saúde, fomento à cultura de qualidade etc. 

No caso dos políticos que integram o Poder Executivo, esta big "ajuda" aos bilionários banqueiros, com dinheiro público, garante que nas próximas eleições estes últimos (os banqueiros) farão generosas doações (declaradas [lícitas] e sobretudo não declaradas [ilegais]) para campanhas políticas. 

Enquanto isso, os banqueiros que deram causa à possibilidade de "risco sistêmico" continuam com o seu gigantesco patrimônio pessoal intocado (mansões, iates, hotéis, cassinos, indústrias, ações etc), não são processados por gestão fraudulenta/temerária (ou, se o são, não são condenados pelo Judiciário - em razão de incompetência, ineficiência ou corrupção), e quem se dá mal é o contribuinte trabalhador. Mesmo que o banco vá à falência (o que é raro) e feche as suas portas, o banqueiro sempre dá um jeito de manter o seu patrimônio pessoal intocado (ou quase totalmente intocado). Há advogados especializados em "blindagem de bens", que utilizam todos os artifícios possíveis (colocação de bens em nome de "laranjas" ou familiares, corrupção ativa de magistrados, promotores etc) para tal finalidade. 

Então, esta é a "megamaracutaia do risco sistêmico" que sempre se repete. Já aconteceu no Brasil (no caso do PROER na década de 80), aconteceu há alguns anos nos EUA, e agora acontece na Europa. E neste ano de 2011 o governo brasileiro já concedeu algumas bilionárias anistias tributárias a bancos (sob a mesma alegação de possibilidade de contaminação com a crise européia e risco sistêmico). 

As pessoas precisam entender como funciona o golpe e dar um basta nesta roubalheira institucionalizada, exigindo novas formas de financiamento de campanhas políticas, regulamentação e fiscalização eficiente da gestão financeira dos bancos, responsabilização criminal e civil efetiva dos banqueiros que praticam gestão fraudulenta ou temerária, dentre outras medidas. Atualmente temos praticamente no mundo inteiro governos dos bancos e para os bancos, sendo que estes dominam a grande mídia e os políticos. Estes dois elementos (grande mídia e políticos) são somente serviçais dos banqueiros (com raras exceções entre os políticos). 

Já é hora de entender os mecanismos e relações diretas e indiretas que geram a ação destas máfias e lesam as pessoas comuns, como nós. E, depois, deve-se começar a pensar numa nova formatação (mais publicista e menos privatista) para o sistema financeiro. É necessária também a implantação urgente de um novo sistema de financiamento de campanha, que possibilite ao político se comprometer com o interesse público e não com o interesse dos grandes financiadores.

A crise do capitalismo, por David Harvey

O vídeo abaixo (baseado nas ideias do geógrafo britânico David Harvey) aborda diversas questões interessantes que auxiliam a compreensão do mundo atual. Eu destaco duas: 1) a necessidade de ampliar o debate público sobre o sistema capitalista atual; e 2) a necessidade de responsabilização efetiva de banqueiros que aplicam golpes nos seus correntistas, ou que corrompem agentes estatais (a necessidade de responsabilização é simbolizada pelo quadro final do vídeo). Atualmente os sistemas punitivos não dão resposta adequada para esta segunda questão. 



quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A farsa do sistema de créditos de carbono

No vídeo abaixo, Annie Leonard demonstra de modo claro a ineficiência do modelo de créditos de carbono ("cap & trade") proposto pelo mercado financeiro para controlar o aquecimento global. A autora também propõe estratégias mais eficazes para lidar com o problema. Vale a pena assistir com atenção e na íntegra.


quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Crenças, verdade e função

Algumas vezes, as crenças místicas, apesar de nitidamente inverossímeis, são funcionais do ponto de vista individual e/ou social (pois num ambiente onde a maioria crê numa afirmação mística, ser também um crente facilita a socialização). E algumas vezes, o conhecimento da verdade não é funcional, individual e/ou socialmente (Spinoza que o diga - v. abaixo o post com o resumo da biografia deste filósofo).

Esta é apenas uma das peças que a natureza prega no ser humano. E, frente a isto, não creio que se deva renunciar à verdade, mas sim encontrar meios de torná-la funcional e socialmente aceitável. O que nem sempre é uma tarefa fácil, sobretudo quando a crença mística inverossímil encontra-se incorporada na cultura e nas tradições de um povo ou grupo social.

sábado, 23 de julho de 2011

Peter Joseph, Movimento Zeitgeist e as comunidades auto-sustentáveis



Para saber mais sobre o Movimento Zeitgeist, vale a pena ler: http://movimentozeitgeist.com.br/missao

No site há muitas ideias interessantes, notadamente aquelas ligadas a mudanças de valores e mudanças culturais. Mas nos textos do movimento não está claro de que forma, exatamente, seria possível realizar a transição da atual "economia monetária competitiva consumista e irracional" para uma "economia comunitária baseada na distribuição racional e justa de recursos" (chamada sinteticamente de "economia de recursos" no site do movimento).

E eles também não discutem o fato de que diversas tentativas anteriores de criar sociedades sem dinheiro fracassaram. Acho que se o movimento quiser se expandir realmente, deve abordar de modo claro e específico tais questões, e apresentar respostas aceitáveis.

Talvez um caminho possível para atingir a "economia comunitária baseada na distribuição racional e justa de recursos" seja a difusão paulatina de comunidades independentes auto-sustentáveis, como Auroville, na Índia (http://www.auroville.org/ ; http://www.aurovilleradio.org/ ; http://viagensculturais.wordpress.com/2010/06/26/auroville-%E2%80%93-a-cidade-universal/ ), a Fundação Findhorn, na Escócia ( http://www.findhorn.org/aboutus/vision/ ; http://pt.wikipedia.org/wiki/Funda%C3%A7%C3%A3o_Findhorn ), as ecovilas no País de Gales (http://ahh.com.br/presite/?p=3358&fb_comment_id=fbc_5006770127538_699231_5006771019538) ou as comunidades integradas ao Instituto Visão Futuro, no interior do Estado de São Paulo (http://www.visaofuturo.org.br/parque/index.html ).

Vale esclarecer que estas comunidades não são ensimesmadas, ou seja, não vivem fechadas em si mesmas. Elas são abertas ao diálogo e interação com o restante da sociedade e promovem cursos e vivências para visitantes. Milhares de pessoas as visitam todos os anos. Elas também não funcionam com base em dogmas ou crenças místicas, e nem sob a liderança de "gurus". Na verdade existe um foco na busca dialética e conjunta do know-how necessário para a sustentabilidade e bem-estar, individual e comunitário, sob diversos aspectos (ambiental, psicológico, científico etc).

Apesar da pesquisa científica, em tais comunidades as pessoas vivem em contato com a natureza e não cultivam necessidades artificiais de consumo.

Visitei Auroville em fevereiro de 2010 e posso dizer que foi uma ótima experiência. Me fez acreditar novamente nos grupos humanos e no futuro da nossa espécie.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

A ilusão do antropocentrismo e da inflação egóica


Por Augusto Mascarenhas 


Vale a pena assistir o vídeo abaixo de Mário Cortella sobre a arrogância humana. Após, sugiro ao leitor que dê uma pesquisada sobre o tema "biocentrismo" (ressalto que a definição contida na Wikipedia em português está simplesmente péssima. Sugiro, de início, este link: http://www.cenedcursos.com.br/antropocentrismo-biocentrismo-direito-animais.html ). A difusão desta nova visão faria muito bem para o planeta.

Necessário esclarecer, contudo, que o antropocentrismo teve grande importância histórica ao representar uma oposição à visão teocêntrica irracional predominante (mas não exclusiva) na Idade Média, visão esta que de certa forma "amarrou" por um tempo o progresso da filosofia e das ciências, sobretudo em razão dos empecilhos postos pela Igreja Católica à liberdade de expressão (nada que fosse divergente da “verdade revelada" na Bíblia, ou da visão dos "doutores" da Igreja poderia ser divulgado).

Mas, superada a fase do óbice teocêntrico, o antropocentrismo também passou a ser um problema, na medida em que a atenção exclusiva passou a ser dada às exigências e interesses imediatos do ser humano, em detrimento da sustentabilidade ambiental e do respeito às demais espécies vivas.

Portanto, a meu ver a adoção do novo paradigma biocêntrico é uma necessidade urgente, até mesmo para que seja possível a preservação da espécie humana no longo prazo. A sustentabilidade ambiental (pressuposto para a boa qualidade da vida humana) não é possível sem a manutenção da biodiversidade.


Vale esclarecer, sobretudo aos opositores do biocentrismo, que a ética biocêntrica não tem como pressuposto nem como consequência lógica um retrocesso com relação aos direitos fundamentais conquistados arduamente pela humanidade no decorrer da sua história. Pelo contrário, é mais um movimento de expansão de tais direitos, passando a abarcar também a esfera extra-humana.


Obs: ao contrário do que afirma Cortella no vídeo, não há ainda consenso científico sobre se o universo irá se retrair no futuro ou se continuará se expandindo indefinidamente.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

A importância de um Poder Judiciário técnico, ético e produtivo

"Nos lugares onde o direito é impotente, a sociedade corre o risco de precipitar-se na anarquia; onde o poder não é controlado, corre o risco oposto, do despotismo." 

(BOBBIO, Norberto. O Tempo da Memória: De Senecute e outros escritos autobiográficos. 6. ed., Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 169)
.......................

Daí a importância de um Poder Judiciário tecnicamente preparado, eficiente, independente e bem administrado. O que, infelizmente, ainda não existe no Brasil, como mostrou o recente levantamento de dados do Conselho Nacional de Justiça - CNJ (http://www.cnj.jus.br/images/metas_judiciario/metas_prioritarias_2010.pdf).


De qualquer modo, o primeiro passo para a melhoria das instituições é mostrar à população, do modo mais completo e transparente possível, o grau de eficiência das mesmas. E isto o CNJ está tentando fazer com relação ao Poder Judiciário (embora, ao analisar o relatório, eu tenha notado a possibilidade de que certos dados tenham sido fornecidos de modo distorcido por alguns Tribunais de origem). 


As metas fixadas pelo CNJ para o ano de 2011 podem ser vistas aqui: http://www.cnj.jus.br/compromissos . Destaco, neste texto, a declaração de que "Todo cidadão tem o direito de compreender quais são os compromissos firmados pelo Judiciário, e [de] cobrar o seu cumprimento". O próprio site do CNJ indica formas através das quais o cidadão pode se manifestar e interagir com este órgão.


Penso que as mídias interativas (cuja difusão é cada vez maior) são ótimos instrumentos à disposição da população para que esta divulgue as suas insatisfações quanto aos setores do Estado que não funcionam adequadamente (ou elogios e apoio quanto a iniciativas estatais que se mostrarem positivas).


A crítica popular nas mídias interativas, ao promover uma participação mais direta do cidadão nos assuntos estatais, pode atuar como importante vetor para o aperfeiçoamento da nossa democracia. 

quarta-feira, 23 de março de 2011

Nietzsche, filosofia e vida

"Toda grande filosofia foi a confissão pessoal de seu autor"

Nietzsche

Ou seja, Nietzsche negava a distinção entre a filosofia de alguém e a sua vida.

(extraído de BUNNIN, Nicholas; TSUI-JAMES, E. P. [org.]. Compêndio de filosofia. 3ª ed., São Paulo: Edições Loyola, 2010, p. 893)

Voltaire e a liberdade de expressão

"Não concordo com nenhuma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o direito que tens de dizê-las."

Voltaire

A verdade, segundo Oscar Wilde

"A verdade pura e simples raramente é pura e nunca é simples"

Oscar Wilde

Aristóteles, amizade e verdade

"Amicus Plato, sed magis amica veritas
(Platão é meu amigo, mas sou mais amigo da verdade) 


Aristóteles

segunda-feira, 21 de março de 2011

Spinoza e o cultivo das emoções positivas, por António Damásio


Transcrevo, abaixo, um trecho do livro "Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos" (cuja leitura desde logo recomendo), do neurocientista português António Damásio.

Como já mencionei neste blog em um post anterior, há muito em comum entre a filosofia ocidental e a oriental. Os orientais descobriram há séculos a importância do cultivo racionalmente deliberado das emoções positivas, e é mais ou menos isto que Spinoza iria propor posteriormente, no século XVII. Este, inclusive, é o princípio básico do budismo (que sugere a meditação compassiva diária).

No texto abaixo o termo "paixão", que é plurissignificativo, foi utilizado pelo autor como sinônimo de emoção negativa (que gera sofrimento), e não como representativo de afeição romântico-sexual. Segue o trecho:

"Espinosa propôs também que o poder dos afetos é tal que a única possibilidade de triunfar sobre um afeto negativo - uma paixão irracional - requer um afeto positivo ainda mais forte, desencadeado pela razão. Um afeto não pode ser controlado ou neutralizado exceto por um afeto contrário mais forte do que o afeto que necessita ser controlado. Em outras palavras, Espinosa recomendava que lutássemos contra as emoções negativas com emoções ainda mais fortes mas positivas, conseguidas por meio do raciocínio e do esforço intelectual. A noção de que subjugar as paixões devia depender de emoções guiadas pela razão, e não da razão pura, é parte central do pensamento espinosiano. Essa recomendação não é fácil de realizar mas Espinosa nunca deu grande valor a nada que fosse fácil."

(DAMÁSIO, António. Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 20)


sábado, 19 de março de 2011

Spinoza, por Stephen Law


Segue uma brevíssima e concisa (mas muito clara e válida) apresentação de Baruch Spinoza, por Stephen Law:

“Spinoza foi o mais radical dos primeiros pensadores modernos. Ele aplicou os métodos da matemática à filosofia e construiu um elaborado sistema metafísico seguindo princípios racionais. Sua crítica da religião organizada e suas idéias políticas liberais [1] valeram-lhe muitos inimigos.

Vida e obra

Expulsa de Portugal pela Inquisição, a família de Spinoza estabeleceu-se em Amsterdam, onde Baruch nasceu. De criação judaica ortodoxa, foi um estudante talentoso, mas abandonou os estudos formais aos 17 anos para ingressar no negócio da família.

Em 1656 foi expulso da comunidade judaica – consequência inevitável de expressar idéias, que apareceriam em seus escritos posteriores, como a negação dos judeus como o povo escolhido e da imortalidade da alma ou a rejeição da idéia de um Deus pessoal ou da Bíblia como verdade revelada. Mudou seu nome para a forma latina, Benedictus, e deixou Amsterdam, encontrando emprego no fabrico de lentes (que lapidava e polia) para telescópios, microscópios e outros novos instrumentos ópticos da época.

Spinoza concluiu em 1663 a única obra que publicou durante sua vida sob seu próprio nome, Os princípios da filosofia de Descartes, uma exposição crítica. A essa altura, trabalhava também no Tratado teológico-político, que, publicado anonimamente em 1670, o cobriu de infâmia, e na sua obra prima, Ética, publicada postumamente.

Morreu jovem de tuberculose, provavelmente precipitada pela inalação de poeira de vidro ao polir lentes.

Idéias-chave

A obra-prima de Spinoza, Ética, é apresentada à maneira de um manual de geometria. Começando com axiomas e definições de, p. ex., 'substância' e 'atributo', deduz uma série de teoremas e, por fim, constrói um sistema complexo, abrangendo metafísica, ética e psicologia, tudo estabelecido de maneira desapaixonada, como se estudasse linhas, planos e sólidos.

Na primeira seção, Spinoza estabelece que só pode haver uma única substância, não podendo haver nada fora do mundo natural. Sendo tudo que existe, essa substância única corresponde ao que normalmente entendemos pelas palavras 'natureza' e 'Deus', significando que são uma só coisa.

Embora Spinoza tenha exposto vários argumentos para provar a existência de Deus, a aparente identificação de Deus com a substância material pareceu a muitos equivaler a ateísmo e foi a principal razão para a sua condenação como apóstata e sua notoriedade como um radical contestador e perigoso.

Duas maneiras de conhecer

Embora haja apenas uma substância, ela tem diferentes modos. Temos ciência de dois deles, mente e matéria. Em outras palavras, o mental e o físico constituem as duas maneiras pelas quais temos ciência da substância única. Esse desenvolvimento do dualismo cartesiano de mente e corpo parece implicar que todas as coisas físicas, não só corpos humanos, têm sensações, em certo grau. Outra implicação é que a desintegração do corpo deve envolver a morte da pessoa, portanto não há lugar para recompensas ou punições sobrenaturais.

Teologia e política

Em Tratado teológico-político, Spinoza foi o primeiro a examinar a Bíblia e as [demais] Escrituras [sagradas] como documentos históricos, não como verdade revelada, e concluiu que foram escritas por muitos autores, ao longo de muitos anos. Rejeitou a teologia do Antigo Testamento como antropomórfica e afirmou que seus mitos e contos não deveriam ser interpretados literalmente. A importância da Bíblia reside em sua mensagem moral. A análise rigorosa dos textos, afirmou Spinoza, mostra que eles apóiam a tolerância de diferentes idéias religiosas.

Como Hobbes antes dele (p. 275), Spinoza usou a idéia de um estado original de natureza em seu pensamento político, mas sustentou que o governo só goza do direito de exercer poderes na medida em que pode esperar a cooperação de seus cidadãos, e que deveria conceder liberdade de expressão e prática religiosa como o melhor meio para assegurar a boa ordem pública.

Spinoza defendeu a democracia como a forma mais estável de governo e o sistema que melhor promove o bem-estar individual – algo que só podemos alcançar escapando da escravidão de nossas paixões por bens efêmeros e superstições religiosas, e vivendo em busca do conhecimento.”

( LAW, Stephen. Filosofia. 2ª ed., Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2009, pp. 280-281 )

[1] Nota do gestor do blog: o termo "liberalismo" foi aqui empregado para denotar a corrente de pensamento que preconizava a limitação dos poderes estatais em prol das liberdades individuais e dos demais direitos fundamentais. Neste sentido, Spinoza (como outros filósofos do período) antecipava o ideário iluminista.    

quarta-feira, 16 de março de 2011

Estudo e raciocínio lógico

Por Augusto Mascarenhas


Tão importante quanto estudar é treinar a mente para raciocinar de modo lógico e coerente, sob os aspectos formal, material e sistêmico (devendo-se sempre atentar para a necessidade de acoplar coerentemente as lógicas sistêmicas parciais ao sistema geral, mais amplo). Na minha opinião, a boa sintaxe na expressão verbal  (oral ou escrita) deriva de um pensamento logicamente correto.

Em temas importantes ou profundos, também é necessário treinar o cérebro para operar com definições conceituais mais precisas e claras.

Além disso, considero necessário dar tempo à mente para digerir, processar e organizar as informações obtidas em um determinado período de estudo. O cérebro precisa, ainda, ter tempo para relacionar e estabelecer nexos lógicos (se os raciocínios forem neutros) ou axiológicos (se valorativos) entre as novas informações e a base já existente de conhecimentos e idéias.  

O amadurecimento das idéias nem sempre ocorre de modo rápido. É cediço que Hegel, por exemplo, era um pensador que procedia lentamente.

Há pessoas que estudam bastante, mas a organização, clareza, logicidade, coerência e profundidade do seu pensamento deixa um pouco a desejar, o que atrapalha o aprendizado e às vezes inviabiliza uma discussão relevante.

Ou seja, há pessoas (algumas delas até mesmo se auto-intitulam filósofas ou cientistas) que, paradoxalmente, estudam muito mas pensam e refletem pouco.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A sobrevivência dos mais fortes? Ou ame o próximo como a ti mesmo?

 

“Ao longo da história, muitos grandes pensadores têm falado sobre a unidade fundamental que está na base da condição humana. Eles souberam e ensinaram que cada um de nós é verdadeiramente parte de uma família maior que inclui todas as pessoas de todos os lugares. Mas hoje o próprio futuro depende de algo mais do que apenas algumas pessoas sábias que compreendam esse conceito. A qualidade da vida da humanidade no futuro depende de um número cada vez maior de pessoas incorporando essa compreensão a suas rotinas. A saúde e a sobrevivência da espécie humana nos dias que virão dependem da profundidade com que entendermos a realidade de nossa interdependência.

Muitos de nós tendemos a achar que a natureza humana é inerentemente competitiva e destrutiva. Ouvimos falar de ‘genes do egoísmo’, como se nossa própria constituição genética predeterminasse que sejamos pessoas egoístas e que lutam umas contra as outras. Disseram-nos que nossa espécie traz um ‘instinto assassino’, e que para nós é normal e inevitável fazer guerras e massacres. (...) ‘Guerra, disse Dick Cheney, vice-presidente dos Estados Unidos, em 2004, é o ‘estado natural do homem’.

Cheney e os que pensam como ele acreditam que a condição humana é inata e inexoravelmente competitiva, e que toda a experiência humana é uma expressão do princípio darwiniano de ‘sobrevivência dos mais fortes’. Se eles estão certos, levando em conta a existência de armas nucleares, nossa espécie está quase que certamente condenada. No entanto, em A Origem do Homem, Charles Darwin mencionou a sobrevivência dos mais fortes apenas duas vezes, e em uma delas para se desculpar por usar o que ele achou que tinha sido uma frase infeliz e equivocada. Em contrapartida, ele escreveu 95 vezes sobre o amor. Em seus últimos escritos, Darwin enfatizou repetidamente que o modelo de seleção natural de ‘sobrevivência dos mais fortes’ perdeu importância na evolução humana e foi substituído pela sensibilidade moral, pela educação e pela cooperação.

Às vezes pensamos em nós mesmos essencialmente como chimpanzés elegantemente vestidos, observando que os chimpanzés têm certa propensão a enganar, à violência, ao roubo, ao infanticídio e até mesmo ao canibalismo. Mas é igualmente verdade que, entre os chimpanzés, os adversários mais duros se reconciliam depois de uma luta, estendendo a mão um ao outro, sorrindo, beijando-se e se abraçando. Além disso, existe um outro primata tão geneticamente semelhante a nós quanto o chimpanzé – o bonobo, uma espécie de macaco nativa do Congo. Se, em vez de estudar os chimpanzés em busca de pistas para a origem do comportamento humano, tivéssemos estudado os bonobos, teríamos chegado a conclusões muito diferentes. Em vez de um modelo de macaco assassino, teríamos tido um modelo de macaco amigo, porque esses primatas mostram uma sensibilidade fenomenal em relação ao bem-estar dos outros. Hoje, escreve Marc Barash em seu livro de 2005, Field Notes on the Compassionate Life (Notas de campo sobre a vida com compaixão), ‘os primatologistas estão encontrando nos bonobos provas de que não é a competição com unhas e dentes o princípio de organização central da evolução humana, mas o espírito de conciliação, o contato afetuoso e a cooperação’. Frans de Waal, um dos maiores especialistas em comportamento primata, chama isso de ‘sobrevivência dos mais bondosos’.

Afinal, que tipo de criatura somos nós? Existem aqueles que acreditam que os seres humanos são fundamentalmente egoístas e há os que crêem que somos essencialmente criaturas boas que precisam apenas de amor para florescer ; não fico com nenhuma dessas posições, ou talvez deva dizer que fico com as duas. Parece-me que temos um potencial quase infinito em ambas as direções. Em parte ego e em parte divinamente inspirados, temos tanto o potencial de competir quanto o de cooperar. Podemos criar sociedades como aquela que Ruth Benedict chamou de ‘grosseira e nojenta’ e outras como as que denominou ‘sinérgicas’. Dependendo do que escolhemos para afirmar e cultivar dentro de nós mesmos e de nossos filhos, podemos coletivamente transformar esse planeta num inferno ou num paraíso. Gostemos ou não, aceitemos ou não, nossas escolhas fazem uma diferença enorme. A maneira como tratamos a nós mesmos e um ao outro sempre importa.”
(ROBBINS, John. Saudável aos 100 anos: como aumentar radicalmente a sua qualidade de vida em qualquer idade. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, pp. 272-274)

domingo, 23 de janeiro de 2011

Darwin 200 anos depois

Por Herton Escobar (O Estado de SP, 08/02/2009)

"No futuro distante, vejo campos abertos para pesquisas muito mais importantes. A psicologia será baseada num novo fundamento, baseado na necessária aquisição de cada poder e capacidade mental via gradação [evolução]. Luz será lançada sobre a origem do homem e sua história." (Charles Darwin, em A Origem das Espécies, 1859)

Na semana em que Charles Darwin completaria 200 anos, a atual crise financeira-econômica mundial oferece um cenário ideal para estudar o legado do grande naturalista. Assim como o asteroide que caiu sobre a Terra há 65 milhões de anos alterou radicalmente o clima do planeta, levando os dinossauros à extinção e permitindo a ascensão dos mamíferos (até então pequenos animais noturnos que viviam à sombra dos grandes répteis), o colapso de Wall Street detonou uma sequência de eventos que alteram profundamente o ambiente econômico mundial.

Empresas, bancos e modelos de negócios que não conseguirem se adaptar às novas condições correm o risco de desaparecer da face da Terra, tal qual os dinossauros. Alguns gigantes do setor financeiro já foram extintos. Novos negócios sustentáveis, antes sufocados pelo ambiente especulativo e de consumo desenfreado, agora têm uma chance para florescer, tal qual os pequenos mamíferos do cretáceo.

Esse é o princípio da evolução por seleção natural, descoberto por Darwin em meados do século 19, após sua viagem de volta ao mundo a bordo do H.M.S. Beagle e publicado em 1859, no livro A Origem das Espécies - para muitos, a obra mais importante da história da ciência.

Darwin enxergou algo fundamental e revolucionário sobre o funcionamento da natureza: um mecanismo pelo qual espécies podem evoluir, diferenciar-se e originar novas espécies por meio de forças exclusivamente biológicas, sem necessidade de intervenção divina ou atos sobrenaturais. Um mecanismo tão poderoso que, como Darwin bem previu, abriu caminho para novos - e polêmicos - campos de estudo a respeito da existência humana.

Que o homem evoluiu de um ancestral comum com os primatas já é uma certeza científica universal, confirmada por um batalhão de informações genéticas produzidas desde a descoberta do DNA.

Mas será que a espécie humana ainda está evoluindo? E até que ponto a seleção natural poderia explicar não apenas a evolução de características físicas do ser humano, como a postura ereta e o cérebro grande, mas também de características comportamentais, como o altruísmo, o egoísmo, o racismo ou uma propensão à infidelidade conjugal? Essas são algumas das perguntas darwinianas com as quais cientistas e filósofos de um "futuro distante" se digladiam no presente.

Base científica

O primeiro passo de Darwin para chegar a sua teoria foi perceber que todos os indivíduos - inclusive os membros de uma mesma espécie - são anatomicamente e fisiologicamente diferentes entre si. Alguns nascem com pernas um pouco mais longas, com a visão um pouco mais aguçada, com antenas mais sensíveis ou com a capacidade de digerir alimentos melhor do que seus pais e irmãos.

Se alguma dessas características calha de ser vantajosa no ambiente em que aquele organismo vive - por exemplo, a capacidade de viver mais tempo sem água em um ecossistema árido ou uma coloração de asa que se camufla melhor com a cor da casca de uma árvore -, esse indivíduo terá melhores chances de sobreviver e, consequentemente, de deixar descendentes com características genéticas iguais às dele para compor as geração futuras (chamada seleção positiva). Já os indivíduos menos adaptados sofrem o efeito contrário: em média, vivem menos e deixam menos descendentes (seleção negativa).

Deixe a seleção natural agir por tempo suficiente e as variedades menos aptas tenderão a desaparecer da população, substituídas pelos descendentes das variedades mais bem adaptadas. É o que Darwin chamou de "luta pela sobrevivência", mas que ficou conhecido pelo apelativo (e enganoso) título de "a lei do mais forte". Novas espécies surgem quando uma variedade se separa da população original e segue um caminho evolutivo diferente, tal como as linhagens do homem e do chimpanzé divergiram de um ancestral comum.

Quando as condições ambientais mudam, as espécies precisam mudar também. Características que eram benéficas ou irrelevantes podem se tornar deletérias e vice-versa. É um processo contínuo, porém lento e gradual, que pode levar de algumas dezenas a muitos milhões de anos, e por isso é tão difícil de ser observado diretamente. Em um evento extremo, como a queda de um asteroide ou a explosão de uma crise financeira global, porém, a seleção atua de maneira óbvia e implacável. No lugar de um bando de répteis gigantes, pode-se acabar com um bando de mamíferos pequenos e peludos.

Universalidade

Por mais polêmica que ainda seja do ponto de vista religioso, a teoria da evolução por seleção natural é hoje um pilar central das ciências biológicas, tão indispensável para explicar o desenvolvimento de uma joaninha quanto a resistência de bactérias a antibióticos ou a resposta de uma floresta ao efeitos do aquecimento global. Como disse o geneticista ucraniano Theodosius Dobzhansky, em 1973: "Nada na biologia faz sentido, a não ser sob a luz da evolução."

"O que está implícito nessa frase é que a biologia só se consolidou como ciência após a teoria da evolução", diz o biólogo Diogo Meyer, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. "Antes havia apenas o estudo dos seres vivos; não havia uma teoria que integrasse tudo numa ciência comum. Hoje sabemos que os processos que moldam o genoma de uma bactéria e de um elefante são parte da mesma família."


A analogia sobre a crise financeira serve para mostrar que as teorias de Darwin - agrupadas no que se convencionou chamar de "darwinismo" - foram mais longe ainda: extrapolaram os limites da biologia e colonizaram outras áreas da ciência, influenciando várias esferas do pensamento humano.

Mais até do que uma analogia, a evolução por seleção natural é um elemento crucial da teoria econômica moderna, segundo o economista José Eli da Veiga. "A ideia é que qualquer sistema evolutivo obedece às leis do darwinismo. E a economia é certamente um sistema evolutivo", afirma Veiga, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP. "Um economista que não entende Darwin é um economista totalmente ultrapassado."

Visto por uma ótica puramente evolucionista, vale a pena perguntar: ao financiar a salvação de empresas que, de outra forma, iriam à falência, estariam os governos indo contra a seleção natural? Vale a pena salvar os dinossauros?

"Darwin fez uma teoria biológica, mas construiu uma linha de raciocínio tão abstrata que acabou transcendendo a biologia", diz o pesquisador Charbel El-Hani, coordenador do Grupo de Pesquisa em História, Filosofia e Ensino de Ciências Biológicas da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Sociobiologia

No que se aplica à evolução de plantas, besouros, peixes e sabiás, a teoria de Darwin já é ponto pacífico na ciência. É quando se tenta aplicar a seleção natural aos seres humanos que a coisa fica complicada. Darwin desenhou uma árvore da vida na qual o homem é um galho tal como outro qualquer - uma espécie dotada de inteligência superior, porém gerada pelos mesmos mecanismos de diferenciação e seleção que produziram as plantas, besouros, peixes e sabiás.

"Devo inferir por analogia que, provavelmente, todos os seres orgânicos que já viveram nesta Terra descenderam de uma única forma primordial, na qual a vida foi soprada pela primeira vez", escreveu Darwin, no capítulo final de A Origem das Espécies.

Ele poderia ter deixado o ser humano fora dessa história, mas não deixou. As semelhanças entre os homens e os primatas já eram óbvias demais para serem ignoradas, mesmo no século 19, antes da genômica. A mera sugestão de que o Homo sapiens era uma forma evoluída de macaco e não um ser especial criado por Deus foi suficiente para detonar uma batalha entre ciência e religião que persiste até os dias de hoje. Darwin até tentou ficar de fora dessa briga no início, deixando o tema de fora de A Origem das Espécies ("Luz será lançada sobre a origem do homem e sua história" é a única referência que ele faz à espécie humana no texto). Mais tarde, porém, publicaria um livro específico sobre o assunto, chamado A Origem do Homem e a Seleção Sexual, de 1871.

A versão mais moderna desse debate se dá no campo da "sociobiologia", uma ciência controversa que busca integrar conceitos biológicos ao estudo do comportamento humano. Umas de suas disciplinas, como previu Darwin, é a chamada "psicologia evolutiva".

O raciocínio básico da sociobiologia é o de que, se o comportamento dos animais resulta de processos evolutivos, e os seres humanos são animais que evoluíram como todos os outros, então seu comportamento social deve ser, também, influenciado por processos biológicos - e não apenas culturais.

O tema é extremamente polêmico entre biólogos, antropólogos e sociólogos. "Não há nada no ser humano que não seja explicado por leis biológicas", diz o biólogo Mário de Pinna, vice-diretor do Museu de Zoologia da USP. "A cultura tem origem biológica e, sendo assim, está sujeita também às leis da evolução." Para ele, o ser humano continua a ser moldado pela seleção natural, tanto culturalmente quanto biologicamente. "Evolução nada mais é do que uma mudança na frequência de genes ou suas combinações ao longo do tempo numa população", afirma Pinna. "Se você morre sem deixar filhos, geneticamente, é como se você nunca tivesse existido. Isso é seleção."

O geneticista Sérgio Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), discorda. "A evolução humana, do ponto de vista biológico, acabou", diz. "Temos uma cultura que vai diretamente contra a seleção natural. Temos a medicina: pessoas que deveriam morrer não morrem." Hoje, segundo Pena, a única seleção relevante é a cultural. "Evoluímos tanto que um dos produtos da nossa própria evolução é uma nova maneira de evoluir", diz. "Tomamos as rédeas do nosso próprio destino como espécie."

O dilema, segundo a antropóloga Gláucia Silva, da Universidade Federal Fluminense (UFF), surge de uma separação equivocada entre homem e natureza, enraizada nas culturas ocidentais. "Os seres humanos são radicalmente distintos de todos os outros animais, mas não deixam de ser animais", afirma ela. A sociobiologia, segundo Gláucia, tem o mérito de tentar reconstruir essa unidade - porém, sem oferecer respostas satisfatórias, reduzindo tudo a uma questão genética. "Os sociobiólogos não sabem nada de antropologia social. Eles têm respostas tão simples que dá vontade de rir."

Gláucia defende a tese de que a espécie humana continua a evoluir biologicamente - "Basta estar vivo para ser passivo de seleção", diz ela -, mas que o comportamento social humano não tem nenhuma relação com isso. Nem mesmo o comportamento sexual. "Os seres humanos não têm instinto sexual", diz a antropóloga. "A regulação da nossa atividade sexual é 100% cultural."

As discordâncias mostram que a obra de Darwin está longe de virar história e que muitas das questões levantadas por ele continuam tão importantes no século 21 quanto eram no século 19. "É realmente notável que um naturalista daquela época pudesse fazer perguntas que permanecem relevantes tanto tempo depois", diz o ecólogo Thomas Lewinsohn, da Universidade Estadual de Campinas.

Ele discorda de outros cientistas que prefeririam abandonar o título "teoria" e apresentar a evolução por seleção natural como um "fato" consumado. "Chamar uma teoria de fato é como transformá-la num fóssil", diz. "A palavra de Darwin não é uma palavra sagrada, que não pode ser questionada. É uma teoria viva, em constante desenvolvimento, que pode e deve ser sempre reexaminada."

Filho e neto de intelectuais, dedicou a vida à pesquisa

Diz a biologia que as características gerais de um indivíduo são determinadas por uma combinação cumulativa das interações entre seus genes e o ambiente ao qual esses genes são expostos ao longo da vida. A história de Charles Darwin parece encaixar-se perfeitamente nesse roteiro.

Filho e neto de intelectuais da alta classe britânica, ele provavelmente tinha os genes necessários correndo na família para se destacar nas atividades científicas. Seu avô paterno, Erasmus, por exemplo, foi um importante filósofo e botânico que já refletia intensamente sobre a evolução e a origem das espécies no fim do século 18.

Somado a essa base genética, Darwin tinha muitos fatores "ambientais" atuando a seu favor quando elaborou sua teoria. Assim como seu avô, vários cientistas antes dele já estavam pensando e escrevendo sobre a evolução dos seres e do planeta. Havia muitas ideias no ar. O momento era propício para uma revolução científica. "Foi um contexto social que produziu o darwinismo, não foi algo que saiu só da cabeça dele", diz o biólogo Nelio Bizzo, da Faculdade de Educação da USP. "Darwin viveu num momento histórico que deu a ele os elementos necessários para formular sua teoria", reforça o físico e historiador Ildeu de Castro Moreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Por pertencer a uma família rica, Darwin também pode se dar ao "luxo" de trabalhar por anos em sua teoria, sem se preocupar em pagar ou prestar contas a ninguém. Depois que voltou de sua odisseia no Beagle, ele nunca mais deixou a Inglaterra. Passou o resto da vida na sua casa de campo em Kent - a famosa Down House -, dedicando-se exclusivamente a suas pesquisas e sua família (teve dez filhos com sua prima, Emma).

Em momento algum, porém, isolou-se do mundo. Uma das características mais marcantes de Darwin era que ele escrevia cartas diariamente. Trocava correspondências com cientistas ao redor do mundo e estava sempre atualizado sobre descobertas recentes. "Charles Darwin foi um super networker", diz Bizzo. "Mesmo um cara na internet hoje tem dificuldade para manter a rede de relações que ele mantinha."

Outro hábito compulsivo de Darwin era não jogar nada fora. Guardava até mesmo os rascunhos de suas cartas e manuscritos - uma dádiva para os historiadores. Tinha uma biblioteca invejável. Lia muito, observava muito e tinha uma curiosidade insaciável pelo mundo natural. Além de A Origem das Espécies, publicou trabalhos marcantes sobre minhocas, flores e cracas (mostrando que elas eram crustáceos, não moluscos).

Para Thomas Lewinsohn, da Unicamp, uma das características mais marcantes de Darwin era sua capacidade de fazer perguntas relevantes, bem formuladas e passíveis de serem respondidas experimentalmente.

"Ele tinha uma capacidade fantástica de generalizar além dos fatos e tirar conclusões, até mesmo com base em evidências parcas", diz o biólogo e historiador Charbel El-Hani, da Universidade Federal da Bahia.

A viagem de cinco anos no Beagle, que o levou ao redor do mundo, foi crucial para que Darwin elaborasse sua teoria. Mas não foi durante a viagem que ele "descobriu" a seleção natural. As peças só se encaixaram em sua cabeça em 1838, após ler o Ensaio sobre o Princípio das Populações, no qual o economista britânico Thomas Malthus argumentava que o crescimento populacional é limitado pela disponibilidade de comida e outros fatores de pressão, como guerras e doenças.

"Finalmente tenho uma teoria com a qual trabalhar", registrou Darwin. Ele ainda trabalharia em segredo na teoria por 20 anos, até publicá-la em 1859. Era cuidadoso ao extremo. Pensou nas críticas que seriam feitas e queria ter as respostas prontas antes de apresentá-la. "Para mim ele foi um gênio", diz o biólogo Mário de Pinna, do Museu de Zoologia da USP.



( http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=61568 ; Acesso em 23 jan. 2011 )


quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Manifesto da Ciência Tropical


Um novo paradigma para o uso democrático da ciência como agente efetivo de transformação social e econômica no Brasil

por Miguel Nicolelis

26 de novembro de 2010

É hora de a ciência brasileira assumir definitivamente um compromisso mais central perante toda a sociedade e oferecer o seu poder criativo e capacidade de inovação para erradicar a miséria, revolucionar a educação e construir uma sociedade justa e verdadeiramente inclusiva.

No intuito de contribuir para o início desse processo de libertação da energia potencial de criação e inovação acumulada há séculos no capital humano do genoma brasileiro, estamos propondo 15 metas centrais para a capacitação do Programa Brasileiro de Ciência Tropical. Essas 15 metas visam a desencadear a massificação e a democratização dos meios e mecanismos de geração, disseminação, consumo e comercialização de conhecimento de ponta por todo o Brasil.


Metas:

1) Massificação da educação científica infanto-juvenil por todo o território nacional.

O objetivo é proporcionar que, nos próximos 4 anos, 1 milhão de crianças tenham acesso a um programa de educação científica pública, protagonista e cidadã de alto nível. Esse programa utilizará o método científico como ferramenta pedagógica essencial, combinando a filosofia de vida de dois grandes brasileiros: Paulo Freire e Alberto Santos Dumont.


2) Criação de centros nacionais de formação de professores de Ciência.

A implementação do Programa Educação para Toda Vida geraria uma demanda inédita para professores especializados no ensino de ciência e tecnologia. Para supri-la, o governo federal poderia estabelecer o Programa Nacional de Educação Científica Alberto Santos Dumont, que seria o responsável pela gestão dos centros nacionais de formação de professores de ciências, espalhados por todo território nacional. As universidades federais, os Institutos Federais de Tecnologia (antigos CEFETs) e uma futura cadeia de Institutos Brasileiros de Tecnologia poderiam estabelecer programas de formação de professores de ciências e tecnologia em todo o país.


3) Criação da carreira de pesquisador científico em tempo integral nas universidades federais.

Seria em paralelo à tradicional carreira de docente. Ela nos permitiria recrutar uma nova geração de cientistas que se dedicaria exclusivamente à pesquisa científica, com carga horária de aulas correspondente a 10% do seu esforço total. Sem essa mudança não há como esperar que pesquisadores das universidades federais possam dar o salto científico qualitativo necessário para o desenvolvimento da ciência de ponta do país.


4) Criação de 16 Institutos Brasileiros de Tecnologia espalhados pelo país.

Eles serviriam para suprir a demanda de engenheiros, tecnólogos e cientistas de alto nível e promover a inclusão social por meio do desenvolvimento da indústria brasileira do conhecimento. Atualmente o Brasil apresenta um déficit imenso desses profissionais.


5) Criação de 16 Cidades da Ciência.

Localizadas nas regiões com baixo índice de desenvolvimento humano, como o Vale do Ribeira, Jequitinhonha, interior do Nordeste, Amazônia, as Cidades da Ciência ficariam no entorno dos novos IBTs. As Cidades da Ciência seriam, na prática, o componente final da nova cadeia de produção do conhecimento de ponta no Brasil. Acopladas aos novos IBTs e à rede de universidades federais, criariam o ambiente necessário para a transformação do conhecimento de ponta, gerados por cientistas brasileiros, em tecnologias e produtos de alto valor agregado que dariam sustentação à indústria brasileira do conhecimento.


6) Criação de um arco contínuo de Unidades de Conservação e Pesquisa da Biosfera da Amazônia.

Esse verdadeiro cinturão de defesa, formado por um arco contínuo de Unidades de Conservação e Pesquisa da Biosfera da Amazônia, seriam dispostas em paralelo ao chamado “Arco de Fogo”, formado em decorrência do agronegócio predatório e da indústria madeireira ilegal, responsáveis pelo desmatamento da região. Essa iniciativa visa fincar uma linha de defesa permanente contra o avanço do desmatamento ilegal, modificando a estratégia das unidades de conservação a fim de colocá-las a serviço de um Programa Nacional de Mapeamento dos Biomas Brasileiros.


7) Criação de oito “Cidades Marítimas” ao longo da costa brasileira.

A descoberta do pré-sal demonstra claramente que uma das maiores fontes potenciais de riqueza futura da sociedade brasileira reside no vasto e diverso bioma marítimo da nossa costa. Apesar disso, os esforços nacionais para estudo científico desse vasto ambiente são muito incipientes. Aqui também o Brasil pode inovar de forma revolucionária. Em parceria com a Petrobras, o governo federal poderia estabelecer, no limite das 350 milhas marinhas, oito plataformas voltadas para a pesquisa oceanográfica e climática, visando o mapeamento das riquezas no mar tropical brasileiro.


8) Retomada e Expansão do Programa Espacial Brasileiro.

Embora subestimado pela sociedade e a mídia brasileiras, o fortalecimento do programa espacial brasileiro oferece outro exemplo emblemático de como o futuro do desenvolvimento científico no Brasil é questão de soberania nacional.
Dos países pertencentes ao BRIC, o Brasil é o que possui o mais tímido e subdesenvolvido programa espacial. Apesar da sua situação geográfica altamente favorável, a Base de Alcântara não tem correspondido às altas expectativas geradas com a sua construção.

9) Criação de um Programa Nacional de Iniciação Científica.

Com a criação do programa Educação para Toda Vida, seria necessário implementar novas ferramentas para que os adolescentes egressos desses programas pudessem dar vazão a seus anseios de criação, invenção e inovação através da continuidade do processo de educação científica, mesmo antes do ingresso na universidade e depois dele.
Na realidade, é extremamente factível que grande número desses jovens possa começar a contribuir efetivamente para o processo de geração de conhecimento de ponta antes do ingresso na universidade.


10) Investimento de 4-5% do PIB em ações de ciência e tecnologia na próxima década.

Tendo proposto novas ações, é fundamental que essas sejam devidamente financiadas. Para tanto e, ainda, para assegurar a ascensão da ciência brasileira aos patamares de excelência dos países líderes mundiais, o governo brasileiro teria de tomar a decisão estratégica de destinar, nas próximas décadas, algo em torno de 4-5% do PIB nacional para a ciência e tecnologia.


11) Reorganização das agências federais de fomento à pesquisa.

Reformulação de normas de procedimento e processo para agilizar a distribuição eficiente de recursos ao pesquisador e empreendedor científico, bem como criar um novo modelo de gestão e prestação de contas. A ciência e o cientista brasileiro não podem mais ser regidos pelas mesmas normas de 30-40 anos atrás, utilizadas na prestação de contas de recursos públicos para construção de rodovias e hidrelétricas.


12) Criação de “joint ventures” para produção de insumos e materiais de consumo para prática científica dentro do Brasil.

É fundamental investir numa redução verdadeira dos trâmites burocráticos “medievais” que ainda existem para aquisição de materiais de consumo e equipamentos de pesquisa importados. Para tanto, é importante definir políticas de incentivo ao estabelecimento de empresas nacionais dispostas a suprir o mercado nacional com insumos e equipamentos científicos.

13) Criação do Banco do Cérebro.

Instituição financeira destinada a implementar vários mecanismos financeiros para fomento do empreendedorismo científico nacional. Essas ferramentas financeiras incluiriam desde programa de microcrédito científico até formas de financiamento de novas empresas nacionais voltadas para produtos de alto valor agregado, fundamentais ao desenvolvimento da ciência brasileira e da economia do conhecimento.

14) Ampliação e incentivo a Bolsas de Doutorado e Pós-Doutorado dentro e fora do Brasil.

Novamente, a proposta da Ciência Tropical é, antes de tudo, uma nova proposta para o desenvolvimento de excelência na prática da pesquisa e educação científica. Dessa forma, ela tem de incentivar todas as formas que permitam aos melhores e mais promissores cientistas brasileiros complementarem sua formação fora do território nacional. Como bem disse a presidente-eleita Dilma Rousseff durante a campanha: “O Brasil precisa de seus cientistas porque eles iluminam o nosso país”.

15) Recrutamento de pesquisadores e professores estrangeiros dispostos a se radicar no Brasil.

Com a crise financeira, verdadeiros exércitos de cientistas americanos e europeus estarão procurando novas posições nos próximos anos. Cabe ao Brasil tirar vantagem dessa situação e passar a ser um importador de cérebros e não um exportador de talentos. Historicamente, a academia brasileira tem inúmeros exemplos excepcionais de pesquisadores estrangeiros de alto nível que alavancaram grandes avanços científicos no Brasil. O Programa Brasileiro de Ciência Tropical só teria a ganhar com uma política mais abrangente, audaciosa e sistêmica de importação de talentos.

( http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/manifesto_da_ciencia_tropical.html )


Miguel Nicolelis é um médico e neurocientista brasileiro, professor de neurobiologia da Universidade Duke (EUA) e coordenador do Projeto do Instituto Internacional de Neurociência de Natal (IINN). No início da década passada foi considerado um dos vinte maiores cientistas do mundo pela revista Scientific American. Foi também o primeiro brasileiro a ter um artigo publicado na capa da revista Science.