sábado, 11 de dezembro de 2010

E a crise ambiental se aprofunda

Falhas na ação contra ameaças à sustentabilidade global deixam o mundo perto do desastre

"(...) [Durante os últimos quatro anos], a falta de capacidade do mundo para encarar a realidade da crescente crise ambiental se tornou ainda mais evidente. As principais metas estabelecidas por organismos internacionais para políticas ambientais globais para o ano de 2010 foram adiadas, ignoradas ou mesmo desmoronaram. Lamentavelmente, este ano talvez seja o mais quente de todos os tempos, outro indício de catástrofes ambientais induzidas pelo  homem e fora de controle.

Deveria ser o ano da biodiversidade. Em 2002 os países se comprometeram, sob os auspícios da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas, a diminuir significativamente a perda de biodiversidade do planeta até 2010. Essa meta não foi nem remotamente alcançada. (...)
 
Este ano também deveria ser o início do novo tratado pós-Kyoto, mas esse esforço não teve sucesso por causa da contínua paralisia na elaboração de políticas americanas. O presidente Barack Obama foi de mãos abanando para as negociações de mudanças climáticas de Copenhague, e os Estados Unidos, China e outras potências se contentaram com uma declaração não obrigatória de sentimentos e objetivos no lugar de uma estratégia operacional e processo de implementação.

De acordo com a campanha eleitoral de Obama em 2008, este também deveria ser o primeiro ano de uma nova política sobre clima e energia, e o segundo ano da 'recuperação verde'. Não fizemos nenhum dos dois. A recuperação foi destruída: Obama apostou em 'estimular' consumidores desanimados em vez de um programa de investimentos públicos em infraestrutura sustentável a longo prazo. O Senado [norte-americano], conforme manda o figurino, manteve seu 18º ano de inação diante do aquecimento global desde a aprovação da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima em 1992.

Este ano foi dominado pela falsa controvérsia do 'Climategate', que envolveu o vazamento de e-mails de uma unidade de pesquisas climáticas britânica; a direita política caracterizou a linguagem inadequada nas mensagens como uma prova de um imenso complô global. Forças independentes rejeitaram a acusação de conspiração científica, mas o estrago já estava feito: o público americano, mais uma vez, se inclina na direção da descrença sobre a mudança climática induzida pelo homem.

Estamos perdendo não somente tempo, mas também a garantia de segurança planetária, conforme o mundo se aproxima ou infringe diversos limites de risco ambiental. Com o contínuo crescimento da população humana de cerca de 75 milhões de pessoas ou mais por ano e com um forte progresso econômico em grande parte dos países em desenvolvimento, se intensificam a sobrecarga do desmatamento, a poluição, as emissões de gases do efeito estufa, as espécies em extinção, a acidificação do oceano e outras ameaças globais.

Quais características mais relevantes dos nossos processos socioeconômicos nacionais e globais causam esses repetidos insucessos?

Primeiro, os riscos da sustentabilidade são verdadeiramente sem precedentes em sua escala global e chegaram à sociedade um tanto repentinamente nas duas últimas gerações.

Segundo, os problemas são cientificamente complexos e envolvem enormes incertezas. Não apenas a opinião pública deve se inteirar da realidade, mas as ciências-chave devem se esforçar para medir, avaliar e abordar novos desafios.

Em terceiro lugar, apesar de os problemas serem globais, ações políticas são notoriamente locais, o que prejudica ações oportunas coordenadas internacionalmente.

Quarto, os problemas estão se revelando ao longo das décadas, enquanto a amplitude da atenção dos políticos chega somente até a próxima eleição e a maior parte da atenção do público só chega até a próxima refeição ou salário.

E quinto, os grupos de interesses corporativos dominam o lado sombrio da propaganda e podem utilizar seus grandes recursos para adquirir um mar de informações deliberadamente incorretas para ludibriar o público.


Scientific American e o Earth Institute estão comprometidos em um mesmo esforço crucial: levar a ciência objetiva para a esfera pública e fortalecer cidadãos democráticos que têm de se tornar gestores responsáveis do planeta antes que seja tarde demais."

(SACHS, Jeffrey. E a crise se aprofunda: Falhas na ação contra ameaças à sustentabilidade global deixam o mundo perto do desastre. Scientific American Brasil, nº 101, out. 2010, São Paulo: Ediouro Duetto Editorial, p.23)

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